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quinta-feira, 23 de março de 2017

O NINHO PARTIDO




            Somos crias humanas. Somos crias de uma espécie que necessita de cuidados básicos materiais para sobreviver e de cuidados afetivos, psicológicos, intelectuais e espirituais para desenvolvermos amplos aspectos de nossa misteriosa complexidade. Como em tantas outras espécies, a natureza entregou cada um de nós à guarda de nossos pais, em um ninho que nos acolha, com uma figura paternal, que nos pareça forte para defesa e de uma figura resistente e maternal, que nos abrace e cuide. Nas transformações que nossas relações sociais vão sofrendo, esses guardiões vão trocando tarefas e cuidados para atender os filhos, atendendo também seus próprios anseios. Pretendem garantir a segurança e desenvolvimento das crias, resguardando a inteireza do ninho. 

            No entanto, como na natureza, “tempestades” sacodem e abalam o ninho e, mesmo com tentativas de salvá-lo, de remendá-lo, o ninho muitas vezes se parte, se despedaça. perde sua inteireza... E os pais, frágeis em suas questões, anseios e dificuldades pessoais, se debatem, desiludidos e magoados, se perdem, se confundem na tentativa de continuar a cuidar e defender suas ninhadas. Sobrevive-se, mas é um ninho partido!

            Depois da “tempestade”, tudo parece estar mais calmo, e, aliviados, pensamos: Basta de tormentos, da luta para manter o ninho coeso!! Estamos livres! Mas. “de repente ser livre até nos assusta”, e Agora? Dor, sentimento de fracasso, medo, insegurança...  O berço que os unia está, definitivamente, partido! Para as crias, em cada metade, para sempre haverá a falta de um dos guardiões. Estarão para sempre divididos em seu amor e fidelidade. Carregam um difuso e esquisito sentimento de falha, de culpa na alegria de estar com um e o medo de estar sendo infiel com o ausente... Carregam uma agonia  escondida, até quando, definitivamente, escolheram um lado e  decidiram esquecer o outro. Dentro deles será que a luta acabou?! Será que somos culpados? São pensamentos tolos e irracionais, mas nossa afetividade não é racional, ela só sente, sente e se ressente...  As crias também ficam, a princípio, mais desprotegidas, muitas vezes, quase à deriva, quando cada um de seus protetores passa a se ausentar mais em busca de novas fontes de renda ou para procurar novos parceiros e formar novos ninhos... com adaptações difíceis, forçadas, trazendo sentimentos de ciúme, medo, abandono...

            Por mais que se lute para suprir faltas, corrigir falhas, nada pode desfazer a lembrança e o desejo idealizado de se refazer a inteireza do ninho inicial – “meu primeiro e virginal abrigo”! Mesmo quando já adultos amadurecidos, entendendo as tempestades que nos arrastaram ou arrastaram nossos pais, ainda assim, perdura em nossos sonhos a fantasia de ver novamente nosso ninho original, “perfeito” na distância do tempo, e nossos guardiões, também, “perfeitos”, finalmente reunidos...

            Um ninho que se parte não é a pior das soluções nas difíceis, complexas e desafiadoras relações dos pais. Não foi, simplesmente, uma opção leviana, mas será sempre muito dolorosa para todos.   O ninho partido guarda uma escondida dor sem volta.


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